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- Desemprego cai a 6,2% no trimestre terminado em outubro, o menor patamar da história, diz IBGE
Por Júlia Nunes , g1 29/11/2024 09h00 Atualizado há 5 dias A taxa de desemprego no Brasil caiu para 6,2% no trimestre terminado em outubro, aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada nesta sexta-feira (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ). É a menor taxa de desocupação de toda a série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012. Antes disso, o percentual mais baixo de desempregados no país havia sido registrado em dezembro de 2013 (6,3%). A queda foi de 0,6 ponto percentual (p.p.) em relação ao trimestre anterior, terminado em julho, quando a taxa era de 6,8% . No mesmo período do ano passado, a desocupação atingia 7,6% da população em idade de trabalhar (14 anos ou mais). Ao todo, 6,8 milhões de pessoas estão sem emprego no país , o menor contingente desde o trimestre encerrado em dezembro de 2014. Foi um recuo de 8% em relação ao trimestre anterior, e de 17,2% na comparação com 2023. Os números demonstram um cenário aquecido que vem sendo sustentado trimestre a trimestre, afirma Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas domiciliares do IBGE, superando o que havia sido considerado o melhor momento do mercado de trabalho no país, em 2013 . (veja o gráfico abaixo) "Depois desse período [2013 e 2014], nós tivemos momentos bastante desfavoráveis no mercado, como foi o caso de 2015, 2016. Teve ali um período de recuperação entre 2017 e 2019, mas, em 2020, a pandemia chegou com impactos bastante ruins no mercado de trabalho. Aí tem um processo de recuperação pós pandemia, principalmente em 2022", detalha. LEIA TAMBÉM: Desemprego baixo deixa trabalhador mais exigente, e empresários se desdobram para contratar: 'Já fiz de tudo' Recorde de ocupados A população ocupada no Brasil chegou a 103,6 milhões, um novo recorde da série histórica , crescendo em ambas comparações: 1,5% no trimestre e 3,4% no ano. Com isso, 58,7% das pessoas em idade de trabalhar no Brasil estão empregadas -- também o maior nível de ocupação desde 2012 . Segundo Beringuy, essa alta foi puxada por três dos dez grupamentos de atividades abordados na PNAD Contínua: indústria, construção e outros serviços . "A produção industrial tem como destaque o segmento de confecções de vestuários, o que pode ter uma relação com a proximidade de fim de ano, no atendimento da demanda por esses bens", afirma. "Mas também temos um crescimento bastante favorável, não apenas neste trimestre agora, na construção e nos serviços prestados às famílias, serviços pessoais, recreativos, de diversas frentes." Força de trabalho O IBGE classifica como desocupadas as pessoas sem trabalho que estão procurando emprego. A soma desse grupo com o dos empregados totaliza a população dentro da força de trabalho no Brasil , que ficou em 110,4 milhões no trimestre terminado em outubro. Assim, estão fora da força de trabalho 66,1 milhões de brasileiros . São pessoas de 14 anos ou mais desempregadas, mas que não estão em busca de serviço ou disponíveis para trabalhar. Diante disso, a PNAD calcula que o Brasil tem 17,8 milhões de pessoas subutilizadas , ou seja, que poderiam estar trabalhando, mas estão desocupadas, subocupadas (não trabalham todas as horas que poderiam) ou fora da força de trabalho potencial. Esse contingente recuou 4,6% em relação ao trimestre anterior e 10,8% na comparação com o ano passado. A população desalentada ficou em 3 milhões, a menor desde o trimestre encerrado em abril de 2016 (2,9 milhões), recuando 5,5% no trimestre e 11,7% no ano. São pessoas que gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, mas não procuraram emprego por acharem que não encontrariam, por falta de qualificação, por exemplo. Reproduzir vídeo Reproduzir 00:00 /01:50 Silenciar som Minimizar vídeo Tela cheia Desemprego baixo deixa trabalhador mais exigente e empresários sofrem para contratar Veja os destaques da pesquisa Taxa de desocupação: 6,2% População desocupada: 6,8 milhões de pessoas População ocupada: 103,6 milhões População fora da força de trabalho: 66,1 milhões População desalentada: 3 milhões Empregados com carteira assinada: 39 milhões Empregados sem carteira assinada: 14,4 milhões Trabalhadores por conta própria: 25,7 milhões Trabalhadores domésticos: 6 milhões Trabalhadores informais: 40,3 milhões Carteira assinada e sem carteira batem recorde O número de trabalhadores com e sem carteira assinada no setor privado cresceu 5% em relação ao ano passado e chegou a 53,4 milhões, um novo recorde da série iniciada em 2012 . Entre os empregados com carteira assinada , o número absoluto de profissionais chegou a 39 milhões, um aumento de 1,2%, ou de 479 mil pessoas, contra o trimestre anterior. No comparativo com 2023, o ganho é de 3,7%, o que equivale a 1,4 milhão de trabalhadores a mais. Já os empregados sem carteira são 14,4 milhões. A alta para o trimestre foi de 3,7%, com mais 517 mil trabalhadores no grupo. Já, em relação ao ano passado, houve aumento de 8,4%, ou de 1,1 milhão pessoas. A taxa de informalidade ficou em 38,9% da população ocupada (ou 40,3 milhões de trabalhadores). No trimestre anterior, o percentual era de 38,7% e, no mesmo período de 2023, de 39,1%. No setor público , o número de empregados (12,8 milhões) foi recorde, ficando estável no trimestre e subindo 5,8% (699 mil pessoas) no ano. Os trabalhadores por conta própria são 25,7 milhões, o que representa estabilidade nas duas comparações. Rendimento estável no trimestre As pessoas ocupadas receberam cerca de R$ 3.255 por mês no trimestre terminado em outubro, por todos os trabalhos que tinham na semana de referência da pesquisa. É o que o IBGE chama de rendimento médio habitual. O valor ficou estável frente ao trimestre anterior , quando era de R$ 3.230. No comparativo do ano, houve aumento de 3,9%. Já a massa de rendimentos, que soma os valores recebidos por todos esses trabalhadores, foi estimada em R$ 332,6 bilhões, um crescimento de 2,4% na comparação trimestral e de 7,7%, na anual.
- O preço da História
Antonio Gramsci 7 de junho de 1919 O que a história ainda exige do proletariado russo para legitimar e tornar permanentes suas conquistas? Que preço adicional de sangue e sacrifício esse monarca absoluto do destino reivindica dos homens? As dificuldades e objeções que a revolução proletária deve superar mostraram-se imensamente superiores às de qualquer outra revolução do passado. Essas tendiam apenas a corrigir a forma da propriedade nacional e privada nos meios de produção e troca, e afetaram uma parte limitada da humanidade reunida. A revolução proletária é a revolução máxima: uma vez que deseja abolir a propriedade privada e nacional, e abolir as classes, ela envolve todos os homens, não apenas uma parte deles. Ela obriga todos os homens a se moverem, a tomarem parte na luta, a participarem abertamente. Isso transforma fundamentalmente a sociedade: partindo de um organismo multicelular, coloca na base da sociedade os núcleos orgânicos dessa mesma sociedade. Obriga toda a sociedade a se identificar com o Estado, exige que todos os homens sejam espiritualmente e historicamente conscientes. Portanto, a revolução proletária é social: assim, deve superar dificuldades e objeções sem precedentes; logo, a história exige, para seu êxito, preços monstruosos como os que o povo russo é obrigado a pagar. A revolução russa triunfou até agora sobre todas as objeções da história. Revelou, ao povo russo, uma aristocracia de estadistas que nenhuma outra nação possui; eles são alguns milhares de homens que dedicaram suas vidas ao estudo (experimental) da ciência política e econômica, que durante décadas no exílio analisaram e dissecaram todos os problemas da revolução, que na luta, no duelo desigual contra o poder do czarismo, que temperaram seu caráter como o aço. Aqueles que, vivendo em contato com todas as formas de civilização capitalista da Europa, da Ásia e da América, mergulhando nas correntes mundiais de comércio e história, adquiriram uma consciência de responsabilidade exata e precisa, fria e cortante como a espada dos conquistadores de impérios. Os comunistas russos são uma casta líder de primeira ordem. Lenin mostrou ser o maior estadista da Europa contemporânea, e todos os que o abordaram testemunham isso. O homem que libertou o prestígio, que inflama e disciplina os povos; o homem que consegue, em seu vasto cérebro, dominar todas as energias sociais do mundo que podem ser voltadas para o serviço da revolução, e que segura e vence os estadistas mais refinados e ardilosos do cotidiano burguês. Mas a doutrina comunista é outra coisa, o partido que a propaga, a classe trabalhadora que conscientemente a personifica; o imenso povo russo é outra coisa, quebrado, desorganizado, lançado em um abismo escuro de pobreza, barbárie, anarquia, de dissolução por uma guerra longa e desastrosa. A grandeza política, a obra-prima histórica dos bolcheviques consiste exatamente nisso: em ter ressuscitado o gigante caído, em ter devolvido (ou dado pela primeira vez) uma forma concreta e dinâmica a esse desastre, a esse caos. Também consiste em ter sabido fundir a doutrina comunista com a consciência coletiva do povo russo, por ter lançado as bases sólidas sobre as quais a sociedade comunista iniciou seu processo de desenvolvimento histórico; em poucas palavras, consiste em ter traduzido, historicamente e em realidade experimental, a fórmula marxista da ditadura do proletariado. A revolução é assim, e não uma bexiga vazia de retórica demagógica, quando se concretiza em uma espécie de Estado, quando se torna um sistema organizado de poder. Uma sociedade não existe senão em um Estado, que é a fonte e o fim de todo direito e de todo dever, que é a garantia da permanência e do sucesso de toda atividade social. A revolução proletária é assim quando dá vida a um Estado tipicamente proletário, guardião do direito proletário, que desenvolve as suas funções essenciais de emanação da vida e do poder proletário. Os bolcheviques deram forma de Estado às experiências históricas da classe trabalhadora e camponesa internacional; eles organizaram, em um organismo complexo e flexivelmente articulado, sua vida mais íntima, sua tradição e sua história espiritual e social mais profunda e amada. Eles romperam com o passado, mas continuaram no passado. Eles dividiram uma tradição, mas desenvolveram e enriqueceram a tradição viva da classe proletária, operária e camponesa. Nisso eles foram revolucionários, porque incutiram uma nova ordem e disciplina. A ruptura é inevitável, porque a essência da história entra, ela não tem possibilidade de voltar atrás; caso contrário, um enorme desastre cairia sobre a sociedade russa. Assim, começa um duelo formidável com todas as necessidades da história, das mais elementares às mais complexas, que é preciso incorporar ao novo Estado proletário. O novo Estado precisava ganhar o apoio da maioria leal do povo russo. Precisava revelar ao povo russo que o novo Estado era seu Estado, sua vida, seu espírito, sua tradição, seu bem mais precioso. O Estado dos soviéticos tinha uma casta de liderança, o Partido Comunista Bolchevique, que teve o apoio de uma minoria social que representava a consciência da classe, dos interesses vitais e permanentes de toda a classe, os operários industriais. Tornou-se o Estado de todo o povo russo e, portanto, o trabalho assíduo e incessante de propaganda, de esclarecimento, da educação dos homens excepcionais do comunismo russo, liderados pela vontade clara e direta do mestre de todos, Nikolai Lenin [ sic ], ganhou a perseverança tenaz do Partido Comunista, a confiança e a lealdade entusiástica dos trabalhadores. O soviético mostrou-se imortal como a forma de sociedade organizada que adere com flexibilidade às múltiplas necessidades permanentes e vitais (econômicas e políticas) da grande massa do povo russo, que encarna e satisfaz as aspirações e esperanças de todos os oprimidos do mundo. A longa e miserável guerra deixou uma triste herança de pobreza, de barbárie, de anarquia; a organização dos serviços sociais foi quebrada; a própria sociedade humana havia se dividido em uma horda nômade daqueles sem trabalho, sem vontade, sem disciplina, um aborrecido material em decomposição. O novo Estado está recolhendo das ruínas os fragmentos desgastados da sociedade e os remontando, soldando novamente: está recriando uma fé, uma disciplina, uma alma, um desejo de trabalho e progresso. Uma tarefa que pode ser a glória de uma geração inteira. Mas isso não é suficiente. A história não está satisfeita com esta prova. Inimigos formidáveis estão implacavelmente alinhados contra o novo Estado. Uma moeda falsa é cunhada para corromper o cidadão, seu estômago faminto é atormentado. A Rússia foi isolada de todas as saídas para o mar, de todo o tráfego, de qualquer solidariedade; está isolada da Ucrânia, da bacia do Donetz, da Sibéria, e de todos os mercados de matérias-primas e alimentos. Em uma frente de dez mil quilômetros, bandos armados ameaçam invasão: levantes, traições, vandalismo, atos de terrorismo e sabotagem foram comprados. As vitórias mais aclamadas são transformadas, pela traição, em reveses repentinos. Mas não importa. O poder dos soviéticos resiste: do caos do desastre, ele cria um poderoso exército que está se tornando a espinha dorsal do Estado proletário. Espremido por imensas forças antagônicas, encontra em si mesmo o vigor intelectual e a flexibilidade histórica para se adaptar à necessidade da situação, sem ceder, sem comprometer o feliz processo de desenvolvimento rumo ao comunismo. O Estado dos soviéticos mostra-se, assim, como um momento fatal e irrevogável do processo também fatal da civilização humana, por ser o primeiro núcleo de uma nova sociedade. Uma vez que outros estados não podem coexistir com a Rússia proletária e são impotentes para destruí-la, desde os enormes meios à disposição do capital, como o monopólio da informação, a possibilidade de calúnia, corrupção, bloqueio terrestre e marítimo, boicote, sabotagem, deslealdade descarada (Prinkipo), violação dos direitos humanos (guerra sem declaração), pressão militar com meios tecnicamente superiores, ainda assim são impotentes contra a fé de um povo: é historicamente necessário que os outros Estados desapareçam ou que se tornem semelhantes à Rússia. A separação da raça humana não pode durar muito. A humanidade tende à unificação interna e externa, tende a se organizar em um sistema de convivência pacífica que permitirá a reconstrução do mundo. A forma do regime deve se tornar capaz de satisfazer as necessidades da humanidade. A Rússia, depois de uma Guerra desastrosa, com bloqueio e sem ajuda, sozinha com sua própria força, sobreviveu por dois anos; os estados capitalistas, com a ajuda de todo o mundo, agravando a exploração colonial para a sua própria vida, continuam a decair, juntando ruínas a ruínas, juntando destruição com destruição. A história, então, está na Rússia; a vida, então, está na Rússia; somente no regime dos Conselhos os problemas de vida e morte que afligem o mundo encontram uma solução suficiente. A revolução russa pagou seu preço à história, um preço de morte, de pobreza, de fome, de sacrifício, de vontade indomada. Hoje o duelo chega ao seu clímax: o povo russo ergueu-se sobre os próprios pés, um gigante terrível em sua magreza ascética, dominando a multidão de pigmeus que o ataca furiosamente. Armou-se completamente para o seu Valmy (1) . Não pode ser derrotado; pagou seu preço. Deve ser defendido contra as hordas de mercenários bêbados, de aventureiros, de bandidos que querem arrancar seu coração vermelho e palpitante. Os aliados são naturais, seus camaradas de todo o mundo, que devem levantar um rugido de guerreiro que tornará seu choque incontrolável e abrirá os caminhos para que reingresse na vida do mundo. Início da página Notas de rodapé: (1) Ocorrida em 20 de setembro de 1792, a Batalha de Valmy foi a primeira grande vitória do exército da França durante as Guerras Revolucionárias, que aconteceram logo após a Revolução Francesa. As tropas prussianas, comandadas pelo duque de Brunswick, tentaram marchar sobre Paris, e foram detidas perto da vila de Valmy, no norte de Champagne-Ardenne, com ação comandada pelos generais François Kellermann e Charles Dumouriez. Nota da tradutora ( retornar ao texto )
- Três explicações erradas para a derrota de Boulos
Valério Arcary Nunca é tão fácil perder-se como quando se julga conhecer o caminho Provérbio popular chinês 1. A derrota eleitoral de Guilherme Boulos em São Paulo foi a maior que a esquerda sofreu neste segundo turno. Não é fácil refletir sobre derrotas. Derrotas são tristes e dolorosas. Estamos sob o impacto emocional da amargura. Ninguém está imune, subjetivamente, da decepção e frustração. Manter a lucidez não é simples. A derrota política foi muito dura, mas parcial. Não foi nem estratégica, nem histórica. Se enganam aqueles que sempre lhe foram hostis, tanto na esquerda mais moderada, quanto na mais radical, e já profetizam que Boulos teria saído diminuído. Boulos consolidou a posição de maior liderança popular e da esquerda brasileira, depois de Lula. Esta conquista desperta rancores, rivalidades e despeitos. 2. Boulos liderou a campanha unificada da esquerda com uma indomável coragem, perseverança e dedicação. Foi hábil nas entrevistas agressivas, incansável nas caminhadas pela periferia, brilhante nos debates e inspirador nos comícios. Durante meses foi caluniado, pessoalmente, e difamado, politicamente. Drogado, invasor, comunista, extremista, incendiário. Nas vésperas do primeiro e segundo turno foi vítima de crimes eleitorais sem precedentes, desde a campanha de Collor contra Lula em 1989, há trinta e cinco anos: Cocainômano e apoiado PCC. Enfrentou a luta política-ideológica dificílima de cabeça erguida. Denunciou que Marçal e Nunes eram duas faces do bolsonarismo, a corrupção no escândalo das creches e das obras sem licitação, a cumplicidade com o PCC, se posicionou contra a guerra às drogas diferenciando traficante de usuário, acusou Nunes pela privatização da Sabesp, defendeu a anulação da concessão feita à ENEL, e muito mais. A campanha cometeu erros, também, como seria inevitável, mas não é responsável fazer este debate em público no dia seguinte da apuração. Ele deve ser feito, em primeiro lugar no interior de nossas organizações. 3. Perdemos por uma diferença de um milhão de votos. Foi um tsunami. A questão é: por quê? Estão sendo divulgadas três explicações erradas. A primeira é que Boulos não devia ter sido o candidato da esquerda porque o seu perfil seria, excessivamente, radical. Foi vocalizada pelo prefeito eleito de Maricá: Quaquá é também, um dos vice-presidentes nacionais do PT. A segunda é que a campanha teria feito um giro ao centro para reduzir a rejeição de Boulos, e esse erro transformou a derrota eleitoral em derrota política. Foi vocalizada por Vladimir Safatle e Luís Felipe Miguel, professores universitários da USP e UNB, mas tem apoio em uma parcela da esquerda radical. A terceira é que teria sido contaminada pela pressão do “identitarismo”, uma fórmula popularizada pelo liberalismo, uma corrente ideológica estranha à esquerda, para fazer referência às lutas dos oprimidos, em especial, as mulheres e a luta feminista, os negros e o antirracismo, e os LGBT’s e a luta anti-homofóbica, e foi vocalizada por Jesse Sousa, ex-presidente do IPEA 4. Estas três explicações são falsas porque desconhecem o resultado da apuração. Um milhão de votos não são dez mil votos. Quando se perde por uma pequena diferença é razoável considerar a hipótese de que, se a representação da esquerda tivesse sido feita por outra candidatura, talvez tivesse sido possível vencer. Quando se perde por uma pequena diferença é incontornável fazer o balanço da tática eleitoral, se deveria ter sido mais radical ou mais moderada. Mas não foi o que aconteceu em São Paulo. A desvalorização da diferença colossal não é, intelectualmente, honesta. Um milhão de votos não se anulam com táticas eleitorais. O balanço deve ser, portanto, desapaixonado. Nesta escala não importa se os programas de rádio e televisão deveriam ter sido “assim ou assado”, se o programa para saúde, educação, transportes, habitação deveriam ter sido outros. Nesta dimensão não tem palavra de ordem mágica. Não há “abracadabra”. Marxismo não é fatalismo objetivista. Mas não é verdade que “tudo pode acontecer”. As margens do que pode ocorrer são estreita. Por isso, fazemos cálculos, às vezes acertamos, outras erramos. Desta vez erramos feio, porque subestimamos, mais uma vez, a extrema-direita. As análises que defendiam que era possível vencer repousavam em uma premissa fundamental: o fato de que em 2022, tanto Haddad quanto Lula tinham derrotado Tarcísio e Bolsonaro na capital. Esta análise, que quem escreve estas linhas defendeu, também, estava errada. Estas linhas são autocríticas. Não é difícil concluir que a situação evoluiu, desde 2022, para pior. Ocorreu uma mudança desfavorável na relação social e política de forças. As votações somadas de Nunes e Marçal, no primeiro turno, foram o dobro da de Boulos. E foi por uma estreitíssima margem que não aconteceu um segundo turno sem a presença da esquerda, pela primeira vez. Marxismo não é tampouco voluntarismo subjetivista. Há uma beleza “poética” na aposta de que nossa militância pode reverter situações adversas. Mas voluntarismo tem limites. Na verdade, o que o desenlace da apuração revelou foi que não era possível vencer, em função da dura relação social e política de forças. Esta avaliação não interdita, evidentemente, o debate das táticas eleitorais. Mas desaconselha quem quiser insistir que foi o candidato ou a linha de campanha que explicam a derrota. 5. Na verdade, o que o desenlace da apuração revelou foi que não era possível vencer, em função da dura relação social e política de forças. Esta avaliação não interdita, evidentemente, o debate das táticas eleitorais. Mas desaconselha quem quiser insistir que foi o candidato ou a linha de campanha que explicam a derrota. Quem defende que a esquerda deveria ter apoiado Tabata Amaral está repetindo a hipótese imaginária de que Ciro Gomes poderia ter derrotado Bolsonaro em 2018, se o PT não tivesse lançado Haddad e o PSol apoiado Boulos, um contra factual absurdo. Quem se alinha com as posições mais esquerdistas tem todo o direito de criticar que a campanha teria sido lulista demais, ou seja, alinhada com uma defesa do governo federal. Mas essa crítica não autoriza concluir que, se Boulos tivesse sido candidato sem a coligação com o PT, repetindo 2020, teria tido mais votos. Ao contrário, o que o desfecho eleitoral provou é que teria menos votos. Quem denuncia o “identitarismo” desconsidera que sem o apoio das mulheres, negros e LGBT’s teríamos tido muito menos votos. É verdade que a campanha teve muito mais recursos do que em 2020, e obteve uma votação semelhante. Sim, mas este argumento só reforça que a situação objetiva é muito pior. 6. A derrota da esquerda se explica por muitos fatores, mas repousa, essencialmente, em fatores objetivos e subjetivos. Os dois principais fatores objetivos são: (a) que a vida não melhorou depois de um ano e meio de governo Lula, apesar do crescimento, redução do desemprego, aumento do consumo e controle da inflação, porque foram melhorias insuficientes; (b) que a maioria dos mais pobres mantém algum grau, embora menor, de lealdade política ao lulismo, mas uma parcela da classe trabalhadora rompeu com a esquerda. É entre os remediados que o bolsonarismo criou raízes. 7. O que nos remete ao principal fator subjetivo. O governo Lula não faz a luta política-ideológica no patamar que a conjuntura exige. A extrema-direita é o movimento mais dinâmico, mais ativista, mais ideológico na sociedade. Marçal é mais uma demonstração desta implantação. Sua influência vai além do um terço da população que lhes entrega o voto, porque conquistou hegemonia política. Entre os trabalhadores de renda média e esta pequena burguesia em formação está a audiência da extrema-direita. Têm escolaridade baixa ou, na melhor das hipóteses, média, e são remediados que estão em luta implacável pela ascensão social e respondem à agitação do bolsonarismo pela militarização da segurança e pela redução dos impostos. As igrejas pentecostais ocupam um lugar insubstituível na organização deste movimento. São hostis ao feminismo, à luta antirracista, são homofóbicos e anti-ambientalistas. Estamos diante de um anticomunismo “popular”. Esta derrota não selou o destino do governo Lula. Ainda há tempo para reverter os danos, mas somente se houver lucidez de que a situação é de alerta vermelho. O alerta amarelo ficou para trás, é muito sério.
- Políticas sociais mudam a cabeça do povo?
Frei Betto Minha resposta à pergunta acima é não. Em setenta anos de União Soviética, o povo foi beneficiado com direitos que o Ocidente ainda não conquistara. Homens e mulheres desempenhavam os mesmos trabalhos e tinham igual remuneração. Já na década de 1920, 600 mulheres ocupavam cargos similares ao de prefeita, enquanto na maioria dos países ocidentais elas nem tinham direito a voto. A União Soviética foi o primeiro país da Europa a apoiar direitos reprodutivos, em 1920. As mulheres detinham plena autoridade sobre seu corpo.[1] O ensino escolar era gratuito, inclusive a pós-graduação. Os estudantes recebiam do poder público livros didáticos e material escolar.[2] Também o sistema de saúde era inteiramente gratuito. O número de usuários de drogas era extremamente baixo e os poucos que conseguiam entorpecentes o faziam através de turistas que contrabandeavam para dentro do bloco.[3] Foram os soldados que ocuparam o Afeganistão, no fim da década de 1980, que infestaram de drogas os países do bloco soviético. Apesar de tudo, a União Soviética colapsou sem que fosse disparado um único tiro. O povo deu boas-vindas ao capitalismo. Hoje, a Rússia é um dos países onde a desigualdade social é mais alarmante. O socialismo soviético não fez a cabeça do povo em prol de uma sociedade solidária. Do mesmo modo, o Estado de bem-estar social, predominante na Europa “cristã” até ruir o Muro de Berlim, não fez a cabeça do povo. Antonio Candido dizia que a maior conquista do socialismo não se deu nos países que o adotaram, e sim na Europa Ocidental, onde o medo do comunismo levou a burguesia a ceder os anéis para não perder os dedos. Findo o socialismo, a burguesia ergueu os punhos e revelou sua verdadeira face: prevalência dos privilégios do capital sobre os direitos humanos; repúdio aos refugiados; privatização dos serviços públicos; alinhamento à política belicista dos EUA. Governos do PT O Brasil conheceu 13 anos de governos do PT que asseguraram à população de baixa renda vários benefícios: Bolsa Família; salário mínimo corrigido anualmente acima da inflação; Luz para Todos; Minha casa, Minha vida; Fies; cota nas universidades; redução drástica da miséria, da pobreza e do desemprego; aumento da escolaridade etc. No entanto, Dilma Rousseff foi derrubada sem que o povo fosse às ruas defender o governo. E Bolsonaro foi eleito presidente em 2018. Em 2022, perdeu para Lula pela diferença de apenas 2 milhões de votos, de um total de 156 milhões de eleitores. Freud e Chomsky Segundo Freud, “a massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela. (...) Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza. Vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem. Quem quiser influir, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma fala. (...) Ela respeita a força, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela bondade, que considera uma espécie de fraqueza. Exige de seus heróis fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo, inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição.”[4] Quem faz a cabeça do povo é o capitalismo, que exacerba nosso lado mais individualista e narcisista. E promove 24h por dia a deseducação da sociedade ao estimular o consumismo, a competitividade, a ambição de riqueza, o “salve-se quem puder”. Noam Chomsky[5] enumera os recursos do sistema para evitar a consciência crítica: o entretenimento constante (vide a programação de TV); disfarçar os abusos como necessidades, como o aumento das tarifas dos transportes (“Medidas que são, na verdade, prejudiciais à população por favorecer os interesses escondidos de uma minoria, passam a ser implantados como se fossem garantir benefícios em comum”); tratar o público como criança e manter a consciência infantilizada; fazer a emoção prevalecer sobre a razão; manter o público na ignorância e na mediocridade, como a linguagem cifrada utilizada nas matérias sobre economia; autoculpabilização (sou o único responsável por meu fracasso ou sucesso); convencer que a grande mídia sabe mais do que qualquer pessoa etc. São o que Chomsky denomina as “armas silenciosas para guerras tranquilas”. O PT governou por quatro vezes os municípios de Maricá (RJ) e Ipatinga (MG), assegurando grandes benefícios às suas populações. Em 2022, Bolsonaro venceu nos dois turnos nas duas cidades. Isso significa que é real o risco de a direita voltar à presidência da República em 2026. Por mais benefícios que o governo Lula venha a garantir ao povo brasileiro. Qual é, então, a saída? Como evitar que isso venha a ocorrer? Educação política Só há uma alternativa: intenso e imenso trabalho de educação popular, pelo método Paulo Freire, utilizando dois recursos preciosos que o governo dispõe, a capilaridade e o sistema de comunicação. Capilaridade seria adotar a pedagogia paulofreiriana na formação dos agentes federais em contato com os segmentos mais vulneráveis da população, como saúde, IBGE, Embrapa etc. Por que não incluir no Bolsa Família, que atende mais de 21 milhões de famílias, uma terceira condicionalidade, além da escolaridade e da vacina? Seria a capacitação profissional. Além de propiciar qualificação aos beneficiários, de modo a que possam produzir a própria renda, as oficinas de capacitação seriam pelo método Paulo Freire. Mulheres que se inscreverem para se capacitarem em oficinas de culinária e costura, por exemplo, aprenderiam esses ofícios segundo o método que desperta consciência crítica. A rede de comunicação do governo federal O outro recurso é a EBC – Empresa Brasileira de Comunicação -, poderoso sistema de comunicação em mãos do governo federal, desde a “Voz do Brasil”, ouvida diariamente por 70 milhões de pessoas. A TV Brasil, Canal 2, rede de televisão pública, conta com 50 afiliadas em 21 estados. Em 2021, ficou entre as 10 emissoras mais assistidas do país. O sistema de rádio EBC engloba 9 emissoras próprias em 2 estados e no Distrito Federal. A EBC dispõe do maior sistema de cobertura nacional de rádio, com 14 rádios afiliadas. A Rádio Nacional é uma rede de emissoras da EBC. É formada pelas seguintes emissoras: Rádio Nacional do Rio de Janeiro (alcance em todo o território nacional por transmissão via satélite); Rádio Nacional de Brasília; Nacional FM (Brasília); Rádio Nacional da Amazônia (sede em Brasília, mas programação voltada para a região Norte); Rádio Nacional do Alto Solimões (Tabatinga, AM); e as Rádios MEC e MEC FM (Rio de Janeiro). A comunicação do governo federal dispõe ainda da Radioagência Nacional, agência de notícias que distribui áudios produzidos pelas emissoras próprias da EBC e emissoras parceiras. Segundo a estatal, mais de 4.500 emissoras de rádios utilizam os conteúdos da Radioagência. E a Agência Brasil, focada em atos e fatos relacionados a governo, Estado e cidadania, alcança 9,19 milhões de usuários por mês. Há ainda o Portal EBC, plataforma na internet que integra conteúdos dos veículos (Agência Brasil, Radioagência Nacional, Rádios EBC, TV Brasil, TV Brasil Internacional) da Empresa Brasil de Comunicação e da sociedade em um único local. A EBC, além de gerenciar as emissoras públicas federais, também é responsável pela formação da Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP). A RNCP visa estabelecer a cooperação técnica com as iniciativas pública e privada que explorem os serviços de radiodifusão pública. Atualmente, a rede conta com 38 emissoras espalhadas por todo o país. Dentro da política da RNCP, a EBC pode solicitar a qualquer tempo canais para execução de serviços de radiodifusão sonora (rádio FM), de sons e imagens (televisão) e retransmissão de televisão por ela própria ou por seus parceiros. São as chamadas Consignações da União. Atualmente, 13 veículos são operados dessa forma em todo o país: TV Brasil Maranhão, com o Instituto Federal do Maranhão; TV UFAL, com a Universidade Federal de Alagoas; TV UFPB, com a Universidade Federal da Paraíba; TV UFSC, com a Universidade Federal de Santa Catarina; TV Universidade, com a Universidade Federal do Mato Grosso; e TV Universitária, com a Universidade Federal de Roraima. Imagina o leitor ou a leitora toda essa rede voltada para o despertar da consciência crítica do público. Basta para isso mudar a chave epistemológica, passar da lógica analógica, que apenas se foca nos efeitos dos problemas sociais, à lógica dialética, centrada nas causas dos problemas sociais. Quando vemos na TV campanhas em favor de quem tem fome, em geral aparecem indicações de locais de coleta de alimentos e doações de cestas básicas. Em nenhum momento o noticiário levanta as perguntas: por que há pessoas com fome? Por que não têm acesso aos alimentos? É natural que haja abastados e famintos? Como superar essa desigualdade? Há muito a fazer para conscientizar, organizar e mobilizar o povo brasileiro. Recursos existem. E há vontade política por parte de Lula e da Secretaria Geral da Presidência da República, monitorada pelo ministro Márcio Macedo. Faltam apenas maior empenho, produção de material para os veículos de comunicação social e verba para que o governo disponha de uma rede de educadores populares de, no mínimo, 50 mil pessoas! Frei Betto é escritor e educador popular, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco) e, com Paulo Freire, “Essa escola chamada vida” (Ática), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org [1] Abortion, Contraception, and Population Policy in the Soviet Union, David M. Heer. Hv [2] A Geography of Russia and its Neighbors", do geógrafo Mikhail S. Blinnikov [3] Arquivo da CIA: The USSR and Illicit Drugs: Facing Up to the Problem. [4] Psicologia das massas e análise do eu, 1921. [5] Mídia – propaganda política e manipulação, São Paulo, Martins Fontes, 2013